quarta-feira, 26 de junho de 2013

O GRITO

Eu deixei um grito
Longo, dorido, infinito
Corrido num labirinto
Um grito humano
Grotesco grito

De quem morre ainda vivo
De quem vive ainda sem amor
De quem ama ainda com pudor
De quem pode e perde o mito
De quem come e descome o livro
Passeia preso e passivo
Atônito elide o grito
Surdo ouve o apito
Soluça, sufoca, sofre
E repete o grito

Ouviram o grito?
Viram este grito?
Andaram com o grito?
Gritaram meu dito?
Alguém responda, eu acredito
Não tenho fé, mas necessito

Perdi meu grito
À favorita de Diana repito
Devolva-me o grito
Não podes fugir de Juno o castigo
Estou mudo?
Estou aflito
Reflito...

O eco é um som refletido
Dentro de uma cabeça oca
O som entra, bate e volta,
Então meu grito deveria ser ecoado
Ad infinitum
Meu mundo de gritos e paradoxos
Cabeças-ocas não me ouvem
O som entra mas não sai
Fica no altar das paralelas
Um dia voltaremos a ficar juntos
Eu e o meu grito,

Ouvindo o ovo gritar.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

O OLHO QUE SE ISOLA

Olho um olho que se isola
Longe no tempo, extrapola
O que realmente desejo ser.

Como me ver tão fora de mim?

Assustado com o que fazer
Com as respostas que darei,
Compromissos ambíguos que
Demarquei, intimidades expostas
Que desrespeitei.

Não posso me observar,
Deixo o caminho ao caminhar
O gosto ao paladar
O amor ao se dar
Nada sei antes de começar.

Tentarei, lembrar-me-ei minhas
Matas queridas, as cachoeiras
Descidas, os vôos de moto,
Os sons de um blues, os poemas
Líricos, os encontros oníricos.

Viajandando,é o estado que se
Encontram os românticos
Existenciais pós-modernos
Idealistas eternos.

Borboletando, é como ficam
As palavras desconexas que
Saem do peito sem motivo,
Até se encontrarem na verde
Folha, poema sem escolha.

Eu ando, mas só quando
Chegar é que saberei

Onde quis estar.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

AGORA, SOMENTE PARA QUEM TEM NAMORADA

Para quem tem namorada, não dessas atuais,
Que ficam hoje e amanhã, nada,
Falo para àqueles que em um dia de sol
Ou numa noite enluarada, descobriram
Seus olhos noutros olhos, nos quais soube ser a amada.

É para esses venturosos que desde então jamais caminham sós
Que alerto, não seduzam a si, oh sedutores,
Que estas donzelas se dão, nos beijam, suspiram,
Juras eternas redundam, ardem, esperam,

Porém se não cuidadas não toleram
E o que antes era amor torna-se bolero.

Assim, o amor conquistado não é como a bandeira fincada
No topo do mundo ou na vastidão da lua,
É antes, já disseram os poetas, uma flor desabrochada,
Que requer calor, umidades e delicadeza, muita atenção
Chocolates, minos e champanhe gelada.


Um fim de tarde na praia, acordar (e não levantar) numa manhã
De outono, lareira no inverno, a alma sã cheia de pensamentos
Impuros, um e-mail de bom-dia, trinta telefonemas nas horas mais
impróprias, a palavra leve, o pronome torto dito constantemente:
                      Eu te amo, eu te amo, eu te amo.

Ame, companheiro, mas amar não basta, é preciso cuidar do amor

E conquistar a amada a cada dia, para que o amor dure todos os dias.

terça-feira, 11 de junho de 2013

PARA QUEM TEM NAMORADA - E PARA QUEM NÃO TEM

hoje eu amo o outro
,este outro ser divergente que há em mim
eu o amo em desespero de ser também por ele amado...
- porque preciso que alguém me ame como eu amo
,que meu amor seja enfim retribuído em
                sua totalidade
                          sua complexidade
                                        sua intensidade...

eu amo em línguas que jamais ouvi
se na minha o termo para todos 
... os amores 
,é único 
no grego tem três palavras
(o que antes era sofismo, depois de ágape virou modismo)
bom mesmo é em irlandês
são dezoito palavras para dezoito tipos de amor
 - com tantas pronúncias haverá tantas possibilidades 
de se ouvir AMOR
,que uma há de me atingir...


 ah, já posso ouvir o oblíquo torto:
eu te amo
- quem me ama?
- que importância pode ter?
saber que sou amado
,que amo
,que o mundo é uma bola azul
e o pote de ouro no fim do arco-íris me espera antes mesmo de meu fim que,
             pode ser hoje
                            pode ser agora
                                           pode já ter acontecido...

eu queria ser amado
- e sou
 eu queria amar para ser amado
- e amo
 e o amor tanto já veio e tanto já se foi
,que hoje eu amo o outro

este outro ser divergente que há em mim...

domingo, 9 de junho de 2013

EXCALIBUR

havia um pedaço de pau fincado na lama
ninguém era capaz de removê-lo, pois ficava
fora do alcance do caminho florido

um dia um menino agredido pela ordem das coisas
ferido pelas cores, pelos aromas e sabores
maltratado pelos pássaros e pelos anjos
entro na poça e retirou o velho cajado

saiu ao sol e viu as gentes distantes irem ainda mais longe
percebeu que o pedaço de pau
transformou-se numa espada
o barro que secou sobre sua pele formou
a mais dura armadura
nascia o cavaleiro do lodo
o anti-herói predestinado a combater o mundo
claro e ordeiro

derrubou reis
venceu duques e clérigos
violentou princesas
indignado sentiu-se amado.

era um homem de posses
possuía um pedaço de pau e um pouco de lama
tinha vestes e ouro e posição
exposição
mulher amante e profissão
cidadão
correto altivo e orgulhoso
cansado sentiu-se odiado.

o velho se refugiou numa torre
além das nuvens
ali guardava suas lembranças
a falta de fantasia e esperanças
as aventuras as amarguras a indolência
não tinha mais sonhos nem dissabores
perdera os amigos e os inimigos
extasiado soube-se ignorado.


morreu entediado e feliz

sexta-feira, 7 de junho de 2013

ALCOVA DO TEMPO

Adormeço no estrado do tempo,
na noite negra que espanta a compreensão;
persigo o passado, incalculável espaço que arrasto,
como grilhões inquebrantáveis, por todos os atos,
antes mesmo de formular um pensamento.

Adormeço no estrado do tempo,
guerreiro cibernético em armadura medieval,
combato a dor, porque muita dor possuo,
combato o medo, porque muito medo possuo,
mato o amor, porque o amor possui muita dor e medo,
mas, fundamentalmente, o amor possui muita alegria e
esperança, sendo assim, também me possui, me violenta,
impulsiona-me.

Adormeço no estrado do tempo,
quem sobreviverá, aquele que fui ou quem almejo ser?
existe de fato escolha, se meus passos são guiados pelo desespero do momento?

Acordo na alcova do tempo,
faquir moribundo que de tanto beijar na boca fétida da
morte, de tanto gozar na vulva gélida da morte,
enjoou até de morrer.

Acordo na alcova do tempo,
cansado de sonhar sonhos azuis, quando a realidade
é um golpe abaixo das costelas que me atira janela afora,
muito longe de mim.

terça-feira, 4 de junho de 2013

VERSOS PELA PAZ

III

um passo tímido
encolhido
abafado
como o choro e o riso
pavor!

nas veias o sangue queima
nas ruas o sangue escorre
no escuro ninguém corre
terror!

medo do homem de turbante
medo do homem do botão vermelho
medo do moleque no sinal
histeria!

nas mesquitas se canta a vingança
nas sinagogas se grita a fobia
nas sacristias se abafa o grito
das crianças!

mundo abiótico
a pomba branca foi abatida
sequer o amor nos redime,

em tempos de medo
todos somos vitimas
todos somos cúmplices
súplices,
em guerra com a

PAZ!

domingo, 2 de junho de 2013

VERSOS PELA PAZ


II

 

seu corpo alvo me pedia festa

eu ria, sorvia, me lambuzava

untava você em seu próprio mel

fome...

 

era meu, o seu desejo

 o seu riso e o seu gozo

minina-mulher-amante

 generosa

em seus xeros

 seus toques

 suas umidades

 

assim se deu,

cedeu e conquistou

vitoriosa, não exibiu o troféu

guardou-o, teso, dentro de si

plena de mim, ali fiquei

ainda estou, sempre estarei,

em sua carne branca...

 

ali sempre estaremos, juntos

nas noites alvas,

insones, impregnadas

de saudade e vontade e entrega...

 

poucas noites são assim

as nossas noites são assim,

noites em que o mundo dorme melhor

em paz e feliz,

porque nós o velamos

o protegemos da dor, em nossa inefável

noite de amor.