onde anda o amor? a pergunta foi feita na intenção
de provocar a poesia, sendo ela mesma, em si, uma alusão poética... o amor,
onde anda, onde canta, onde manda, onde desanda? onde é amor, onde é onda? que
amor? é, enfim, o que me pergunto... fosse no tempo do Byron, do Dumas, não
haveria dúvidas, seria sobre o amor romântico que estamos a falar... mas nesses
tempos de pós-modernidade, de globalização, a nossa língua já se misturou tanto com outras, já
somos menos regionalistas e descobrimos que a nossa palavra amor é limitante...
está lá, no dicionário, doze situações em que o substantivo masculino “amor”
pode ser utilizado, e outras tantas formas se composto... os gregos tem várias palavras
distintas para o amor, como philia, eros, storge, pragma, ágape (termo já quase
que vulgarizado desde que descoberto pelos espiritualistas)... em latin há amor,
dilectio, charitas; em
chinês as palavras para o amor são ai, lian, qing, yuanfen, zaolian... então,
de que amor estamos a falar? o romantizado entre eu e voce? o amor do filho...
da mãe, o omisso, o amigo, dos bichos, de deus, o seu... pelo dinheiro, pela
natureza, pela beleza, pelo poder? amor cortês, amor livre? fazer amor? morrer
de amor? amor à arte? sim, poeta que sou, esse é o que mais me interessa...
amar é pensar, diz o pastor amoroso do caieiro... outros dizem que é sentir... acho que ambos tem
razão, mas enquanto quem sente tem apenas a poesia, quem pensa faz poema... eis
o artista, eis o verdadeiro poeta, para quem conta o ato e a obra... a cisão
não diminui a poética, respondo em exemplo o dilema do amante de deusdeti:
apoiar a luta armada ou fazer versos para a namorada? “sinto novamente sob meus
calcanhares as costelas do rocinante”, quanto lirismo, quanta poesia do che
guevara para dizer que estava indo novamente para a batalha (sem saber que esta
seria a derradeira)... “ao amor antigo -
mais triste? não. ele venceu a dor, /e resplandece no seu canto obscuro,
/tanto mais velho quanto mais amor.”
simples assim o Drummond, que não ia às ruas defender seu verso... não
precisava. os dois tinham sua poética, um era mais intenso, voluntarioso,
talvez até mais necessário, o outro era apenas mais poeta... desses que amam as
musas, ao contrário dos misomusos, tão espalhados hoje em dia pelos ambientes
da arte, da poesia, que quem é poeta (seres em geral retraídos) se retraem ainda mais... onde anda
o amor às musas? agora que elas são tantas, agora que o homem pode amar o
homem, e a mulher amar a mulher, amor
animal, amor virtual, amor inter-racial (o mais lindo), agora que há tanto amor
espalhado, tantas musas, a intenção poética substituiu o poema, diminuiu-se o
labor, a criação, a pesquisa, a inovação, a perenidade do verso, a poesia é
menor que a volemia, morre antes da carne, morre todo dia o verso que acabou de
nascer... onde anda o amor? não sei o dos outros, o meu está por aí, nas
entrelinhas dos poemas, no vão da porta entreaberta, na estrada para o mar, na
rima, no ritmo, no estilo, nos livros... sempre no olhar da musa, como aquela
que me disse um dia, quando era pequenina: “a musa é quem ilumina o papel para
que você possa escrever e ser, enfim, poeta”... entre poema, poesia e alguma
filosofia, concluo da forma mais abrangente possível: o amor não anda, fez
morada em mim.