a noite
começa cedo
três, quatro
horas não é mais madrugada
já é a noite
que se inicia
ninguém
pergunta (não há companhia em hora tão única)
se é calor ou
frio, se sinto febre ou medo
de onde vem
este tremor e esta indolência
este peso que
me arrasta, como o horizonte que puxa o sol
mesmo que ele
queira ficar mais um instante
sobre o mar,
sobre o negro, que é também um mar
pairando no
céu onde sabe que o cruzeiro é quem reina.
nesta longa
noite o sol virá e há de partir
as gentes
irão, sonâmbulos da vida, levantarem-se,
comer (os que
podem) o pequeno almoço
sentirem-se
outros em seus automóveis
serem outros
no trabalho obrigatório,
entre morrer
de fome e produzir, exerceram seu direito
de escolha,
sua liberdade de optar pela única opção...
não, não vim
falar do sistema, embora ache que é ele
(sempre é)
quem me corrói, achincalha ao poeta
exige meus
músculos e sangue e neurônios e eu
que me foda
para controlar os hormônios,
atravessar a
claridade da noite intacto, quer dizer,
preservar
minha insanidade até a hora que me venha o lobo,
chegou a lua
cheguei em um
bar qualquer
bebi qualquer
bebida
amei uma
mulher,
em todas as
mulheres que amei,
amei uma
única, e ela se chamava mulher
ainda a amo,
assim como amo a poesia
e as estrelas
me dizem coisas que nem os livros falam
os livros
calam, os bichos saem para caçar e serem devorados
em meu quarto
eu sou um bicho, presa de minha própria fera
como meus
pés, meu ventre, minhas entranhas
só não
consigo mastigar a cabeça, ela observa e pensa
a noite está
acabando, mais uma, são três horas,
a noite está
começando, é por isso que não dou bola pra deus
ele não
conseguiu inventar o dia, disse: faça-se a luz
e ela não se
fez, mas o universo parecia ter ficado mais claro
e ele ria-se
satisfeito com sua criação, e na terra as crias
dividiram-se
entre os outros, os lobos e os poetas, e os malditos
que são lobos
e poetas, que amanhecem e jamais dormem
enquanto for
noite, e não há dia meu amor, não há,
porque os
dias são feitos de amor, mas os homens não...