terça-feira, 28 de maio de 2013

TU NÃO TENS A MINHA ÂNCORA


já fui barquinho de papel
nas calmas águas de uma bacia de alumínio,
já fui canoa furada
naquela lagoa em que Narciso e Ismália
se enamoraram, ouvindo a serenata de sapos
à lua (também já fui sapo),
noutros tempos fui um cruzador
matei e morri vinte vezes,
quem sabe sobrevivi aos naufrágios da alma
apenas para sucumbir às tormentas do coração!
 
Poseidon não me quis, o sal me curou
depois dos sete mares singrei mais um
sangrei, veleiro sem vento
fui corsário, gaulês, aportei em Mucuripe
jamais fui mercante
jamais desisti de ser errante
fui, apenas fui
ouvindo dos portugueses
antigos marinheiros, as vozes mortas:
“navegar é preciso, viver não é preciso”
 
de repente, o remanso
atravessei a pororoca, o dilúvio
somente um iguapé me comporta
sou bote, bóia, iole jusante
mantenho altivo o pulsante
pulo ondas e marolinhas
extasiado, excitado, extenuado
já não sei onde chegar
- nunca soube, nunca soube
tu não tens a minha âncora
como parar em tuas águas tão tensas?
não paro, mergulho
vou em teu fundo, respiro
é por navegar que te vivo.




 

4 comentários:

  1. Não, não tem a âncora... Vai navegando e mergulhando, em gerúndio, de acordo com o tempo... Muito bom!

    Beijos! ;]

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  2. Que poema mais lindo, e quem nunca sentiu-se assim, ora âncora,ora cais,ora náufrago a navegar sem saber onde.

    Adri

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  3. Lindo, adoro ler o que escreve, sou sua fã. Gosto assim de coisas profundas, que mexem com a alma, sensibilidade que aflora, que flui, transborda, que enche o barco com água e peixes, que o faz sobreviver em meio a tormentas, pela arte, em prol da poesia.

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  4. Bonita poesia, Carlos. O amor não é amor se não o vivemos com toda intensidade. Abraços.

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